Há muito, muito tempo, antes dos primeiros colonos pisarem nas terras do vale fértil, os rios já cantavam suas canções entre as matas espessas. Dizem os antigos que o rio Braço do Norte não era apenas um braço d’água — era um caminho sagrado, vigiado por um espírito ancestral: o Guardião do Braço, uma entidade protetora, metade homem, metade peixe, com olhos tão claros quanto o céu da serra e uma barba longa feita de algas reluzentes.
Segundo os mais velhos, o Guardião vivia nas profundezas da foz, onde o rio se encontrava com o Tubarão. Ele era o defensor da terra, da água e da harmonia entre os homens e a natureza. Toda vez que alguém tentava se apossar de mais do que precisava — ou maltratava os recursos do vale — o rio subia sem aviso, engolia plantações e redes, como se estivesse vivo e revoltado. Era o Guardião fazendo justiça.
Mas tudo começou a mudar com a chegada dos imigrantes alemães, cansados de guerras e terras áridas. Eles vieram com respeito, esperança e mãos calejadas. Foram recebidos não com tempestades, mas com brisas suaves e peixes saltando das águas, como se o próprio Guardião os estivesse acolhendo.
Reza a lenda que Padre Guilherme Roer, homem de fé e coragem, foi o único mortal a ver o Guardião com os próprios olhos. Certa noite, ao meditar nas margens do rio, viu emergir a figura luminosa, que lhe falou em voz profunda e calma:
— “Traga tua gente. Aqui há fartura. Mas ensine-os a ouvir o canto do rio e a respeitar seu silêncio. Pois quem esquecer a alma desta terra, despertará minha fúria.”
O padre então traçou o plano da colônia ao redor do rio, como uma oferenda viva. Mandou erguer a Igreja de Nossa Senhora do Bom Fim, abençoando o povoado. A cada festa, como a Schweinfest ou a celebração de Santa Augusta, os habitantes deixavam pequenos pedaços de pão ou flores nas margens do rio, em gratidão e reverência ao Guardião.
Até hoje, moradores mais antigos juram ouvir, nas madrugadas de neblina, um leve sussurro vindo do rio , como uma prece em alemão antigo , e, por vezes, avistar uma sombra cintilante entre as águas, como se o Guardião ainda caminhasse entre nós.
E assim, entre fé, suor e respeito, nasceu e prosperou a cidade de Braço do Norte, protegida pelo velho espírito do rio que a batizou.