Conta-se que em um final de tarde nebuloso, dois pescadores caminhavam pela faixa de areia da Praia de Quatro Ilhas quando avistaram algo estranho semi-enterrado entre as dunas. Ao se aproximarem, perceberam tratar-se de uma antiga cruz de madeira, carcomida pelo tempo, mas ainda firme o suficiente para manter-se de pé. A madeira exalava um cheiro resinoso, e estranhamente, mesmo úmida da maresia, parecia morna ao toque.
Os homens, impressionados, resolveram cravar a cruz novamente no mesmo ponto em que a encontraram. Fincaram-na com respeito, fizeram o sinal da cruz e pronunciaram uma breve oração, sem saber exatamente por quê. O mar, que até então estava calmo, passou a murmurar com ondas brandas que lavaram a base da cruz como se a abençoassem.
Naquela noite, o céu se abriu de forma repentina e estrelas brilharam intensamente sobre a praia. No dia seguinte, os dois homens voltaram ao mar com suas canoas e redes. Quando lançaram o primeiro lance de tainhas, não acreditaram no que viram: a rede quase arrebentou de tanto peixe. O mar devolvia em abundância o que antes era escasso.
O feito se repetiu por dias, chamando a atenção de toda a comunidade. Velhos pescadores diziam que era um sinal dos céus, que aquela cruz era sagrada, talvez deixada por antigos náufragos em promessa de salvação, ou por algum eremita que ali teria morrido em oração.
Desde então, todo 3 de maio — Dia da Santa Cruz — os pescadores locais se reúnem em torno da cruz. Enfeitam-na com flores, algas e conchas. Fazem orações simples, cantam modas antigas e pedem fartura, saúde e proteção no mar. Com o tempo, a velha cruz de madeira, consumida pela maresia, foi substituída por uma cruz de concreto, fincada exatamente no mesmo ponto onde fora encontrada.
Reza a lenda que enquanto houver respeito à cruz e às preces dos pescadores, o mar nunca deixará faltar o peixe. E se por acaso a tradição for esquecida, o oceano cobrará — com redes vazias, tempestades e dias de vento sul sem fim.
Alguns ainda juram, nas madrugadas de 3 de maio, ver uma luz brilhando sobre a cruz, como se alguém a visitasse. E há quem diga que essa entidade é o próprio espírito do pescador que primeiro a fincou, protegendo seu povo para sempre.